O Cristianismo é bom para o mundo?

Nesse debate entre o teólogo Douglas Wilson e o jornalista e analista político Cristopher Hitchens, a noção de que o cristianismo (e a religião em geral) é intrinsecamente bom ou ruim para a nossa é sociedade é posta em xeque e discutida com excelência por dois grandes especialistas no assunto.

Enquanto Wilson é mestre em filosofia pela University of Idaho e pastor na Christ Church, Hitchens se educou em Oxford e é um notável expoente da corrente ateia da atualidade.

Nesse texto, irei comentar alguns dos argumentos de ambos e adicionar mais informações quando necessário.

Primeiramente, é muito comum que cristãos se orgulhem de como sua religião moldou os preceitos morais da sociedade na qual vivemos. Que a condenação de crimes bárbaros que eram vistos como comuns (como sacrifícios humanos) foram uma conquista da igreja. Enquanto é verdade que o cristianismo atual seja contra esses atos hediondos, é errado afirmar que foi o único, ou o mais importante, fator nesse processo.

Como diz Hitchens: “não acredito que os seguidores de Moisés não se importaram com homicídio, roubo e falso testemunho enquanto não chegaram ao Sinai”. Ideias como o “não matarás” já estão presentes nos escritos de Confúcio no século V antes de Cristo, muito antes da tradição judaico-cristã chegar na Dinastia Yuan que governava a China durante os séculos XIII e XIV.

O cristianismo que moldou a moral como conhecemos, na verdade, foi amplamente moldado por diversas outras fontes. Muito se fala sobre Santo Agostinho, um dos maiores pensadores da tradição cristã que trabalhou para tentar conciliar fé e razão, se apoiou largamente no platonismo, a corrente filosófica mais “em alta”, na sua época.

Muitos apologistas dizem que Santo Agostinho batizou Platão, trazendo suas ideias para a fé católica, mas, visto que o filósofo era um seguidor de Platão antes mesmo de se aproximar da igreja, vejo o contrário: Agostinho platonizou Cristo.

A história do cristianismo é uma história de adaptação de uma religião diante de diversas realidades e peculiaridades de cada sociedade. Desde a servidão romana, o feudalismo na Europa e mais tarde o capitalismo industrial, o cristianismo se adaptou a diversas fontes seculares e, só depois, interferiu na ordem social.

Aqui Wilson apresenta um argumento muito comum na discussão moral entre ateus/agnósticos e religiosos: como, em face do ateísmo, pode se explicar a moral?

Se somos amontoados de carne, ossos, reações químicas e impulsos elétricos e nada mais, de onde vem os princípios morais tão parecidos em todos os lugares do mundo?

Se a moral é subjetiva, como as bases éticas são fundamentalmente iguais entre os judeus no Egito e os chineses seguidores de Confúcio? De onde derivam as noções de individualismo, solidariedade, altruísmo e cooperação se não do sobrenatural?

Por que um déspota ou um assassino deveria se importar com o tribunal da história se não existe uma punição no pós-vida e ele morrerá impune? Resumindo, se Deus não existe, tudo é permitido?

Em resposta a esse questionamento, acredito que Hitchens peca um pouco e falha em explicar de onde isso vem.

A questão aqui é que o ateísmo é amoral (não confundir com imoral). Explico: a religião nada mais é do que um conjunto de crenças em determinados mitos de criação que busca responder as mais diversas perguntas sobre a configuração da nossa realidade, logo, é imperativo que explique também a moral, como uma dessas perguntas.

Já o ateísmo não é uma religião, mas sim o a ausência dela. Sendo assim, não é “responsabilidade” da posição ateia explicar tudo que a religião responde.

Ao negar uma ideia, não é necessário responder a todos os pontos que derivam dela, mas apenas o núcleo do que torna aquilo plausível ou não.         Por exemplo, a moral, o cerne desse debate. A visão naturalista do assunto explica o surgimento do que chamamos de moral através da evolução biológica e da seleção natural.

Logicamente, grupos de indivíduos sociais como o Homo Sapiens que estejam geneticamente predispostos a serem mais pacíficos entre os pares tem muito mais chance de deixar proles com esses genes do que grupos que matam e roubam indiscriminadamente e, por isso, não vão deixar tantos descendentes, isso quando não são totalmente exterminados por ameaças externas ou conflitos internos.

Como eu disse, o evolucionismo não faz parte de um sistema de crenças do ateísmo, visto que não é um imperativo da posição ateia e que muitos teístas são adeptos dessa posição, logo, o ateísmo como posição filosófica, ao simplesmente negar a outra, não tem a obrigação de explicar, por si só, coisas que outras teorias “neutras” ao debate já se propõe.   Por fim, é possível pontuar que talvez o saldo de boas ações das muitasreligiões não seja positivo.

Cruzadas, Inquisição, Legitimação de monarquias absolutistas e muitos outros crimes não foram devidamente redimidos e muitas vezes o preconceito e o negacionismo científico ainda são apoiados em crenças religiosas, mas o culto individual e inofensivo deve sempre ser respeitado e a tolerância religiosa é um dos principais pilares de uma sociedade livre, como já defendido pelos iluministas no século XVIII.

Independentemente do seu posicionamento, o livro é uma ótima fonte para entender mais sobre a visão desses dois lados da discussão. Recomendo a leitura a todos que querem entender melhor o que defendem, que querem desafiar as convicções com argumentos elaborados ou, quem sabe, o que é mais difícil, tomar um partido.

Lucas Ferraz

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