Os primeiros dois anos:
Davi engordava pouco, embora comesse muito. Atento a tudo, vivia tentando discernir aquele mundo fosco, leitoso que ainda se apresentava a ele. Não havia ali uma realidade nítida a se materializar nas retinas em formação. Tudo era sombra, vultos, movimentos.
A compleição das pessoas que o cercava ainda não tinha limites definidos – o queixo do pai, o nariz da mãe, o olhar do irmão era uma coisa amorfa, indefinida: vultos e vozes.
Os ouvidos ainda eram destreinados, uma vez que o som aquoso do útero deveria ressoar em eco aquele mundo que o envolveu por meses.
Quando as coisas foram se tornando nítidas, o sorriso já tinha um ar de reação mais ou menos consciente. Os instintos, aos poucos, foram perdendo força, abrindo alas para reações mais, digamos, coordenadas e metódicas.
Davi interagia com um mundo que ele ajudaria a moldar. Era o começo de uma relação que seria pautada pela imaginação, pela intimidade com as coisas que o mundo entregava a ele. A sua engenhosidade precoce daria o ritmo doravante.
Davi só esperava o tempo de a linguagem começar a fazer morada. Tempo em que, com ela, a linguagem, ele pudesse manipular a matéria plástica da vida – foi o que ele começou a fazer precocemente.